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Em licitação tudo é diferente da venda ao cliente privado, até o que vira caso de polícia

Empresas grandes ou pequenas costumam ter um mesmo desafio pela frente: lidar com as questões de legalidade nos relacionamentos com a administração pública. 

Empresas grandes ou pequenas costumam ter um mesmo desafio pela frente: lidar com as questões de legalidade nos relacionamentos com a administração pública. Não são apenas os desafios de entender uma lógica de contratação absolutamente diferente da ordem privada, mas de proteger-se do que pode configurar crime ou improbidade administrativa. De fato, práticas absolutamente corriqueiras com os clientes privados podem representar problemas criminais na esfera pública.

 

A abordagem, negociação, contratação e condução do pós-venda são fases com restrições de legalidade absolutamente próprias. Algumas ilegalidades são bastante fáceis de se identificar – como a oferta de presentes caros – mas outras estão escondidas e, pior, são comuns na prática com clientes privados. Citando exemplos, podemos pensar nos casos de fornecimento com preços muito diferentes em dois contratos semelhantes, ou nos casos de substituição do produto oferecido por outro de qualidade inferior ou readequação de cláusulas contratuais após a licitação. Quanto às relações e ajustes com distribuidores e representantes, os exemplos nesse campo mereceriam um artigo à parte.

 

Ademais, vale lembrar que a simples utilização de uma linguagem inapropriada tem consequências muito mais sérias no campo da administração pública. Palavras bobas, por vezes fora de contexto e sem o real significado que tem, podem criar problemas sérios para os licitantes. É o que ocorre, por exemplo, quando um edital com uma descrição adequada do objeto é identificado pelo colaborador, que eventualmente tem um bom relacionamento com o órgão, e passa a referir-se a ele como “um edital direcionado para nós” ou “esse edital é nosso”. Esclareço: não, esse edital não é um edital direcionado e, sim, se fosse direcionado, configuraria crime.

 

Apenas para ilustrar o rumo que uma conversa com linguagem inapropriada pode tomar, lembro de um caso real, em que um grupo de empresas envolvidas em um esquema criminoso estava sendo investigado; por isso, havia escutas telefônicas. Um fornecedor – que não tinha qualquer envolvimento com a história – passou a integrar o inquérito apenas porque em uma conversa telefônica breve alguém solicitou a emissão “daquela nota no esquema”.

 

Além disso, soluções aparentemente inofensivas podem ter um peso inimaginável, no contexto da administração pública. A adulteração de um número 16 por um número 18, para estender a “validade” de uma certidão – que pode ser feita com uma caneta ou com programas de edição – configura o crime de falsificação de documento público (com pena de 2 a 6 anos de reclusão e multa).

 

De fato, por melhor que sejam as normas de conduta e os sistemas de controle internos da empresa, os desafios são diários – tanto mais em um setor tão específico e (por que não?) problemático como a venda a governo. Indício de que uma atenção especial deve ser dada às rotinas relacionadas a licitações é o crescente número de casos que tem chegado ao escritório. Realmente, o relacionamento com a administração pública é tão repleto de particularidades, que afetam profundamente os conceitos de certo e errado/seguro e arriscado, ante tantos departamentos da empresa, que precisa ser tratada de forma muito especializada.

 

 

(Colaborou Dr. Saulo Stefanone Alle, advogado especializado em licitações e contratos administrativos, no escritório AMP Advogados)

 

Publicado em 03 de abril de 2014
*Alguns esclarecimentos foram prestados durante a vigência de determinada legislação e podem tornar-se defasados, em virtude de nova legislação que venha a modificar a anterior, utilizada como fundamento da consulta

 

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