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O crime de corrupção no centro do problema e a relação íntima com o Governo

Segundo Binder, o Direito Penal tem uma finalidade preventiva. No entanto, embora tenham ocorrido condenações em série na AP 470/STF, as penas e sobretudo toda a órbita de influência do Direito Penal não evitou os crimes que fizeram deflagrar a operação Lava Jato, crimes estes que já estavam sendo praticados simultaneamente ao julgamento do Mensalão (2005).

Segundo Ana Elisa Liberato Bechara (1), a prevenção em matéria de corrupção é feita mediante a criação de mecanismos de controle abstrato, no nível ético, como única medida capaz de concretizar o objetivo preventivo. A prevenção também está na valorização, na meritocracia. A análise psicanalítica do Direito Penal observa duas características centrais: o medo e a vergonha do autor. Do medo, extrai-se o sentimento de receio e cautela, no entanto ele não impede, apenas contagia o autor a melhorar sua prática para não ser capturado. A vergonha é sentimento intrínseco ao ser humano; ele se sente moralmente atingido.

É demagogia ostentar o Direito Penal como “tacape” do mundo, que tudo resolve pela via da força e do medo. No entanto, o momento atual no centro do furacão da Operação Lava Jato, são discutidos: as “10 Medidas de Combate à Corrupção”, os requisitos da delação, os acordos de leniência, sem sequer mencionar as garantias fundamentais do acusado. Aliás, a população parece estar em estado de catarse; em estado de permanente comemoração a cada notícia da prisão de empresários, políticos e funcionários públicos. Afigura-se como uma verdadeira embriaguez com as condenações e prisões preventivas como forma de fomentar as delações. Este parece ser o resultado do movimento pendular do Direito Penal que alterna momentos de autoritarismo, a retornar ao garantismo e assim por diante. À toda evidência, atualmente este pêndulo encontra-se no lado oposto ao garantismo, ou seja, estamos no ápice do autoritarismo na interpretação e aplicação do Direito Penal, sob a justificativa geral, abstrata e, consequentemente, perigosa de que estas são medidas de defesa da sociedade.

Em regra, a corrupção é o crime silencioso, sofisticado, do colarinho branco, que geralmente envolve pessoas de elevado status. Ela aniquila as instituições, uma vez que a capacidade de gestão é solapada pelo desvio de recursos financeiros que seriam destinados a programas sociais, e mormente, pela perda da credibilidade do sistema, da isenção das instituições, da impessoalidade dos gestores.

Sob a perspectiva sociológica ela é situacional quando se trata de situação conjuntural, eventual; é estrutural quando se consolida de forma estável; sistêmica. Na visão tradicional, corrupção é o abuso de uma posição de poder e a consecução de uma vantagem patrimonial em troca de sua utilização. Para alguns, o bem jurídico tutelado é a confiança de que as normas e regras da Administração serão obedecidas; é a credibilidade na função pública. Para Ana Elisa Bechara , a corrupção é de natureza pluriofensiva e o bem jurídico tutelado é representado pelos serviços diretamente prestados. Conforme o caso concreto teremos afetações distintas, a igualdade de participação social e o interesse ao serviço que será prestado. No setor privado, o bem jurídico protegido é a livre concorrência e a lealdade do funcionário com a empresa (dever de cargo).

A resposta racional à corrupção, novamente na explicação de Ana Elisa Bechara está condicionada a:

• Caráter básico das medidas preventivas de caráter não penal:
– a importância da opinião pública posicionada contra a corrupção;
– códigos de conduta pública e privada;
– contratações públicas sob regulação e fiscalização severas
– transparência
– participação da sociedade civil
– prevenção à lavagem de capitais

• Imperativos para a legislação penal
– ter presente a presença de novos bens jurídicos lesionados; não só delitos contra a Administração Pública
– caráter básico da dimensão internacional
– necessidade de coordenação das repostas penal e processual dos distintos Estados
– necessidade de coordenação entre as respostas penal, administrativa e civil

• Maior contribuição do Direito Administrativo, com sanções efetivas

• Limitações do Direito Penal (resistência ao punitivismo simbólico)

• Educação social

• Modelo de financiamento político que evite situações de troca de favores, uma vez que interesses econômicos não se afastam da política.

A lógica da corrupção política está justamente no compromisso estabelecido entre doador de recursos e o político, para que aquele tenha influência nos processos decisórios do Governo mediante atuação deste. Os compromissos são diversos, tais como indicações para cargos comissionados; licitações dirigidas ou contratações sem licitação; criação de normas ou leis que beneficiem determinados setores da atividade econômica; autorizações ilegais; agilização de processos; etc.


(1) Palestra: Crimes de Corrupção, IASP, São Paulo, Brasil, 19/11/2016.

Esse artigo faz parte de um especial – COMPLIANCE e o DIREITO PENAL NAS RELAÇÕES ENTRE EMPRESAS PRIVADAS E O GOVERNO – clique aqui e acompanhe os demais artigos.

 

Publicado em 19 de março de 2018

(Colaborou Dr. Ariosto Mila Peixoto, advogado especializado em licitações e contratos administrativos, no escritório AMP Advogados).

*Alguns esclarecimentos foram prestados durante a vigência de determinada legislação e podem tornar-se defasados, em virtude de nova legislação que venha a modificar a anterior, utilizada como fundamento da consulta

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