Outras QuestõesQuestões sobre Licitações

Empresas em Conluio – Embasamentos legais

Gostaria de informações a respeito de empresas em conluio, quais são os embasamentos legais, enquadrados na lei que restringem e punem tais atitudes.

Transcrevo parte de artigo veiculado na internet sob o título “Práticas Anticompetitivas nas Licitações”, que deve atender à sua consulta.

A formação de “cartel em licitações”, “conluio entre licitantes” ou “concertação (ajuste ou combinação) de propostas” é considerada pelo Poder Público como a mais grave lesão à livre concorrência de mercado.

A Secretaria de Defesa da Economia, órgão vinculado ao Ministério da Fazenda define o cartel como :

“acordos ou práticas concertadas entre concorrentes para a fixação de preços, a divisão de mercados, o estabelecimento de quotas ou a restrição da produção e a adoção de posturas pré-combinadas em licitação pública. Os cartéis “clássicos”, por implicarem aumentos de preços e restrição de oferta, de um lado, e nenhum benefício econômico compensatório, de outro, causam graves prejuízos aos consumidores tornando bens e serviços completamente inacessíveis a alguns e desnecessariamente caros para outros. Por isso, essa conduta anticoncorrencial é considerada, universalmente, a mais grave infração à ordem econômica existente.”

O art. 36 da Lei Federal nº 12.529/11, dispõe sobre as condutas caracterizadas como infrações à ordem econômica:

“§ 3o As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no caput deste artigo e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica:

I – acordar, combinar, manipular ou ajustar com concorrente, sob qualquer forma:
a) os preços de bens ou serviços ofertados individualmente;
b) a produção ou a comercialização de uma quantidade restrita ou limitada de bens ou a prestação de um número, volume ou frequência restrita ou limitada de serviços;
c) a divisão de partes ou segmentos de um mercado atual ou potencial de bens ou serviços, mediante, dentre outros, a distribuição de clientes, fornecedores, regiões ou períodos;
d) preços, condições, vantagens ou abstenção em licitação pública;

II – promover, obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou concertada entre concorrentes; (…)

XV – vender mercadoria ou prestar serviços injustificadamente abaixo do preço de custo;”.

Consiste na elaboração de propostas fictícias ou de “cobertura”, supressão de propostas, propostas rotativas ou rodízio, divisão de mercado, direcionamento privado da licitação etc.

Alguns exemplos:

1) O “Paredão”. É prática anticompetitiva para fins da Lei de Defesa da Concorrência o chamado “Bloqueio” (ou “Paredão”) em pregão presencial. A manobra se dá pela atuação orquestrada entre uma empresa que produz determinado bem ou serviço objeto da licitação, e pelo menos outras duas pessoas jurídicas, em geral atuantes como distribuidoras da primeira. O intento objetiva impedir que outras licitantes sejam classificadas para a fase de lances, e, com isso, fiquem somente elas na disputa. Por exemplo, três concorrentes combinam os preços das propostas em patamar um pouco abaixo da expectativa para as propostas iniciais de seus concorrentes, de modo que somente os conspiradores sejam selecionados para a fase de lances do pregão presencial (na regra dos 10%; tornam-se aptas à fase de lances o detentor na menor proposta e todos aqueles com preço superior a até 10% daquela; geralmente, apenas os licitantes em conluio ficam situados nesse intervalo).

Se bem sucedido o acerto, as empresas conluiadas têm condições de impedir que o preço de contratação reduza mais do que o normal em uma disputa legítima; outrossim, o intuito é direcionar o contrato para uma das integrantes do acordo. Tem certa semelhança com a tática do “preço predatório”.

2) O conluio chamado de “Herança” é aquele desenvolvido na modalidade “pregão presencial” em que duas empresas combinam suas participações da seguinte forma: o primeiro colocado oferece preço consideravelmente reduzido e o segundo colocado (ambos em combinação) oferece preço não excessivo, a garantir a segunda colocação. Os demais licitantes deixam de oferecer lances, em virtude do preço desmesuradamente baixo do primeiro colocado (o desinteresse na disputa ocorre porque os lances deverão ser ofertados sempre abaixo do menor valor registrado, no caso, aquele oferecido pelo primeiro colocado). Assim, a fase de lances transcorre “in albis” (em branco; sem lances). Ocorre que o primeiro colocado, ao ser instado a apresentar a habilitação, exibe-a de forma irregular (alguma certidão vencida, por exemplo) e é inabilitado. O plano se concretiza quando o segundo colocado “herda” a licitação e tem possibilidade de ganhá-la sem que tenha existido uma disputa legítima (na fase de lances).

3) A auto-inabilitação. Tal prática tem refúgio na modalidade “pregão eletrônico” e consiste na seguinte conduta ilícita: tão logo é concluída a fase de lances no pregão eletrônico, os licitantes são imediatamente identificados, ocasião em que se inicia a fraude. O segundo colocado faz contato (na maioria das vezes, telefônico) com o primeiro colocado e oferece-lhe uma vantagem (possivelmente econômica) para que o mesmo envie a documentação de habilitação incompleta, a provocar sua “auto-inabilitação”. Ao ser inabilitado o primeiro colocado, iniciar-se-á a negociação com o segundo colocado, licitante este que certamente se beneficiará da fraude.

A auto-inabilitação ocorre também quando um licitante, ao perceber o erro na formulação do preço proposto ou no envio do lance, envia documentação incompleta na fase de habilitação, a buscar sua exclusão da licitação.

Outra situação ocorrida na mesma conduta (auto-inabilitação) pode ser percebida entre duas empresas (com forte vínculo comercial) que combinam uma ação orquestrada. As duas garantem a primeira e segunda colocação e, conforme a conveniência, uma delas (a primeira colocada) se auto-inabilita para favorecer a licitante segunda colocada.

Já há notícia de outro fato: duas ou três empresas, geralmente “Ltda.” em conjunto com “micro ou pequena empresa”, utilizando-se dessa mesma conduta anticoncorrencial, participam de forma combinada a manipular o resultado por meio do direito de preferência concedido às MPEs.

4) Cartel. A combinação de preços previamente à licitação (também chamado de conluio, colusão, arranjo, conchavo), além de violar o princípio da competitividade, agride flagrantemente o princípio da moralidade, uma vez que a prática da conduta desleal, desonesta, tem por objetivo enganar o sistema legal e prejudicar alguém, alguns ou o interesse público.

Nesse assunto, cabe destacar o caso de empresas associadas a determinada entidade que, beneficiada pelo poder mobilização e reunião entre seus associados, exercem participação conjunta e fraudulenta em licitações públicas. Há notícia de um caso, em que houve a convocação de uma reunião, dentre as empresas associadas a uma determinada entidade, para discutir e definir qual seria a empresa vencedora de uma licitação que ocorreria na semana seguinte.

Logicamente, a conduta enquadra-se no tipo penal do artigo 90 da Lei 8.666/93:
“Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação:
Pena – detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.”

A Jurisprudência assentou:
“Como se infere dos termos da exordial, há perfeita adequação típica dos fatos narrados à norma abstrata, pois sobejam indícios de que ambas as empresas (xxx e xxx) tinham prévio conhecimento, entre si, das propostas oferecidas no certame, estando todos os seus sócios envolvidos no conluio destinado a frustrar o seu caráter competitivo”.(HC 200402010083407; 3626. TRF2)

Por esse motivo, vige na Administração Pública Federal, a Instrução Normativa SLTI (Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação) do Ministério do Planejamento, nº 02/09, que criou a obrigatoriedade de apresentação da Declaração de Elaboração Independente de Proposta, em procedimentos licitatórios. Para tanto, o licitante deverá assinar a declaração abaixo como condição de participação:

“ANEXO I
MODELO DE DECLARAÇÃO DE ELABORAÇÃO INDEPENDENTE DE PROPOSTA
(Identificação da Licitação)

(Identificação completa do representante da licitante), como representante devidamente constituído de (Identificação completa da licitante ou do Consórcio) doravante denominado (Licitante/Consórcio), para fins do disposto no item (completar) do Edital (completar com identificação do edital), declara, sob as penas da lei, em especial o art. 299 do Código Penal Brasileiro, que:

(a) a proposta apresentada para participar da (identificação da licitação) foi elaborada de maneira independente (pelo Licitante/ Consórcio), e o conteúdo da proposta não foi, no todo ou em parte, direta ou indiretamente, informado, discutido ou recebido de qualquer outro participante potencial ou de fato da (identificação da licitação), por qualquer meio ou por qualquer pessoa;

(b) a intenção de apresentar a proposta elaborada para participar da (identificação da licitação) não foi informada, discutida ou recebida de qualquer outro participante potencial ou de fato da (identificação da licitação), por qualquer meio ou por qualquer pessoa;

(c) que não tentou, por qualquer meio ou por qualquer pessoa, influir na decisão de qualquer outro participante potencial ou de fato da (identificação da licitação) quanto a participar ou não da referida licitação;

(d) que o conteúdo da proposta apresentada para participar da (identificação da licitação) não será, no todo ou em parte, direta ou indiretamente, comunicado ou discutido com qualquer outro participante potencial ou de fato da (identificação da licitação) antes da adjudicação do objeto da referida licitação;

(e) que o conteúdo da proposta apresentada para participar da (identificação da licitação) não foi, no todo ou em parte, direta ou indiretamente, informado, discutido ou recebido de qualquer integrante de (órgão licitante) antes da abertura oficial das propostas; e

(f) que está plenamente ciente do teor e da extensão desta declaração e que detém plenos poderes e informações para firmá-la”.

Obviamente, caso um licitante assine a citada “declaração” e venha, posteriormente, ser comprovada a sua participação na combinação de preços, além do crime previsto no artigo 90 da Lei de Licitações, responderá, também, pelo crime de “falsidade ideológica” consubstanciado no artigo 299 do Código Penal.

Uma das penalidades mais importantes que o CADE pode aplicar, quando se trata de cartéis em licitações, é a proibição de o infrator participar de licitações em qualquer esfera de governo por até 5 anos (art.38, inc. II). Trata-se de medida com efeitos análogos à declaração de inidoneidade prevista no art. 87, IV, da Lei de Licitações.

Além da punição em decorrência da prática de infração administrativa, o cartel também configura crime.

O tipo penal está no artigo art. 90 da Lei de Licitações nos seguintes termos:

“Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação: Pena – detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.”

Não obstante, a Lei de Crimes contra a Ordem Econômica (Lei n. 8.137/90) prevê ainda no artigo 4º – constitui crime contra a ordem econômica:

“I – abusar do poder econômico, dominando o mercado ou eliminando, total ou parcialmente, a concorrência mediante qualquer forma de ajuste ou acordo de empresas; (…)
II – formar acordo, convênio, ajuste ou aliança entre ofertantes, visando:
a) à fixação artificial de preços ou quantidades vendidas ou produzidas;
b) ao controle regionalizado do mercado por empresa ou grupo de empresas;
c) ao controle, em detrimento da concorrência, de rede de distribuição ou de fornecedores.
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou multa”.

Há a complementaridade entre a legislação de licitações e a concorrencial: enquanto a pena cominada pelo art. 90 da Lei de Licitações e art. 4º da Lei n. 8.137/90 só pode ser aplicada a pessoas físicas (mesmo porque não há reclusão ou detenção de pessoa jurídica), as penalidades previstas pela Lei de Defesa da Concorrência podem ser impostas tanto a pessoas físicas quanto jurídicas. Contudo, as condutas tipificadas no art. 90 da Lei 8.666/93 e 4º da Lei 8.137/90 poderão ser também transmitidas à pessoa jurídica, em face do disposto no artigo 88 da Lei 8.666/93:

“Art. 88. As sanções previstas nos incisos III [suspensão temporária] e IV [declaração de inidoneidade] do artigo anterior poderão também ser aplicadas às empresas ou aos profissionais que, em razão dos contratos regidos por esta Lei:
I – tenham sofrido condenação definitiva por praticarem, por meios dolosos, fraude fiscal no recolhimento de quaisquer tributos;
II – tenham praticado atos ilícitos visando a frustrar os objetivos da licitação;
III – demonstrem não possuir idoneidade para contratar com a Administração em virtude de atos ilícitos praticados”.

Insere-se nesse rol de instrumentos normativos, a Lei 12.846/13 (Lei Anticorrupção) também descreve as condutas ilícitas:

“Art. 5o Constituem atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, para os fins desta Lei, todos aqueles praticados pelas pessoas jurídicas mencionadas no parágrafo único do art. 1o, que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, assim definidos:
I – prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada;
II – comprovadamente, financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei;
III – comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados;
IV – no tocante a licitações e contratos:
a) frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público;
b) impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório público;
c) afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo;
d) fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente;
e) criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo;
f) obter vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de modificações ou prorrogações de contratos celebrados com a administração pública, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais; ou
g) manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a administração pública;”.

5) Conluio entre julgador (pregoeiro ou membros da comissão de licitação) e competidores. Desnecessário capitular, mas imprescindível ressaltar, que o acordo, informações privilegiadas, favorecimento, tratamento desigual, praticadas pelo julgador em favor de determinada(s) licitante(s), também é considerada fraude, além da caracterização da improbidade administrativa.

6) No “pregão eletrônico”, a comunicação via telefone entre pregoeiro e licitante, durante a fase de disputa (lances) ou aceitabilidade de preços (negociação), entendo, insere-se no rol de atos que violam o princípio da moralidade.

7) A formação de cartel não se confunde com o “consórcio”, modalidade legal de conjugação de interesses entre empresas que se forma nos termos do art. 278 e ss. da Lei 6404/76 (Lei da S.A.) bem como do art. 33 da Lei 8.666/93, que favorece o cenário competitivo a permitir a participação de empresas que não teriam condições de disputar individualmente (ou de forma isolada) no certame. A participação de empresas reunidas por ajuste expresso e oficial permite que as mesmas possam colaborar cada qual com sua especialidade ou capacidade operacional, técnica e/ou financeira, de forma que o consórcio tenha condições de executar o objeto da licitação que geralmente tem complexidade ou vulto considerável, que recomenda a reunião de esforços.

8) Robô. Atualmente há um posicionamento consolidado de que a utilização de dispositivo de envio automático de lances fere o princípio da igualdade e compromete a competitividade. Nesse contexto, é possível que sua utilização acarrete não só consequências na esfera administrativa, como, em tese, pode trazer consequências na esfera criminal (uma vez violado o caráter competitivo, é possível caracterizar a fraude: art. 90, da Lei 8.666/93).

Em perspectiva, no entanto, é possível considerar a hipótese em que, uma vez disseminada a tecnologia, a premissa de atentado à isonomia deixe de prevalecer (se todos tiverem acesso ao mecanismo, as condições de igualdade se recompõem).

Dos riscos da utilização do robô.

O Tribunal de Contas da União – como sintetizado pelo PLENÁRIO da Egrégia Corte (GRUPO II – CLASSE V – Plenário- TC-014.474/2011-5) – tem considerado ilegítima a utilização do ROBÔ por violação ao princípio da IGUALDADE (isonomia):

“4. Os fatos configuram a inobservância do princípio constitucional da isonomia, previsto expressamente no art. 3º da Lei nº 8.666/93 e no parágrafo único do art. 5º do Decreto nº 5.450/2005, visto que a utilização de software de lançamento automático de lances (robô) confere vantagem competitiva aos fornecedores que detêm a tecnologia em questão sobre os demais licitantes.”

 

A isonomia, a que se refere a decisão citada, decorre da lei e da Constituição Federal, e relaciona-se diretamente com a moralidade. Nesse sentido, a síntese da norma, explicitada no Decreto nº 5450/2005 não deixa margem a dúvidas:
“Art. 5º do Decreto 5.450/05 – A licitação na modalidade de pregão é condicionada aos princípios básicos da legalidade, impessoalidade, moralidade, igualdade, publicidade, eficiência, probidade administrativa, vinculação ao instrumento convocatório e do julgamento objetivo, bem como aos princípios correlatos da razoabilidade, competitividade e proporcionalidade.”

No mesmo sentido está o entendimento do Tribunal de Contas da União no Acórdão nº 656/2011:
“No que se refere ao uso de robôs em pregões eletrônicos, a utilização do procedimento compromete a isonomia entre os participantes do certame licitatório. Esta Corte já se manifestou acerca do assunto, por meio do subitem 9.1.13 do Acórdão nº 1.647/2010-TCU-Plenário(…).”

Ainda no TCU, o Voto do Ministro Relator Valmir Campelo, no Acórdão nº 1.647/2010:
“Uma falha importante constatada pelo Tribunal foi o uso de dispositivos de inserção automática (robôs) para o envio de lances durante o pregão eletrônico. O referido dispositivo tecnológico continua comprometendo a isonomia entre os participantes do certame licitatório, visto que a atual regra ‘antirrobô’ do ‘Comprasnet’ não é suficiente para atingir o objetivo de impedir a vantagem competitiva existente”.

No mesmo sentido, o Acórdão TCU nº 4461/12 – 1ª Câmara:
“6. Quanto ao fato de ter ocorrido possíveis fraudes no sistema Comprasnet, a embargante não conseguiu juntar provas de que a empresa vencedora usou “robôs” para dar lances sucessivos em períodos inferiores há 20 segundos. Por outro lado, na análise do recurso administrativo apresentado pela embargante durante o certame, o pregoeiro do BRB ressaltou que a Grenit também deu lances sucessivos inferiores a 20 segundos (peça 1, pág. 44/45), vejamos:
‘Cabe destacar, também, que foram dados 18 novos lances até o encerramento desta etapa do certame, sendo metade deles efetuados pela Recorrente [Grenit], 8 pela Recorrida e 1 por um terceiro licitante. O lance vencedor foi apresentado mais de 1 minuto de antecedência do término da fase de lances, prazo que seria suficiente para cobrir a oferta vencedora, o que não ocorreu’.” (g.n.)

A Secretaria de Estado de Controle e Transparência do Espírito Santo, lançou campanha denominada “pente-fino contra fraude em licitações” e postou:
(http://www.secont.es.gov.br/index.php/noticias/211-pente-fino-contra-fraude-em-licitacoes):
“As potenciais irregularidades têm sido descobertas em várias frentes de investigação (as “trilhas”), que abrangem desde combinação prévia de ofertas entre empresas licitantes para vencer a concorrência pública (formação de cartel) até o uso de softwares proibidos (robôs) para fazer os lances nos pregões eletrônicos”. (g.n.)

De fato, a Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão editou – na linha das determinações do TCU – mecanismo para coibir a utilização do “robô”, conforme a Instrução Normativa nº 3, da SLTI/MPOG, de 16 de dezembro de 2011.

Referida norma procura impedir a ação contínua do “robô”, pela seguinte regra:
Art. 2º Na fase competitiva do pregão, em sua forma eletrônica, o intervalo entre os lances enviados pelo mesmo licitante não poderá ser inferior a 20 segundos.

A IN citada estabelece prazo mínimo de lances (20 segundos) justamente para impedir os sucessivos lances em frações de segundo.

Mesmo com a regra federal (frise-se: com eficácia exclusiva no Comprasnet), o problema persiste. Mesmo que o lance seja dado de 20 em 20 segundos, ele também pode ser superado pelo robô; vejamos o exemplo: a EMPRESA envia um lance às 14h:10m:10s; de acordo com a regra do Comprasnet, a EMPRESA somente poderá emitir novo lance despois de 20 segundos, portanto, às 14h:10m:30s. Todavia, se um concorrente utilizar o robô e enviar uma oferta logo após o primeiro lance da EMPRESA, às 14h:10m:11s, ele ficará na preferência do encerramento aleatório (randômico) durante 19 segundos, ou seja, no intervalo entre 14h:10m:11s (lance concorrente) e 14h:10m:30s (próximo lance da EMPRESA), se o tempo randômico encerrar-se o concorrente será o vencedor da etapa; e assim por diante.

O robô não teria eficácia nos sistemas eletrônicos em que é adotado o método de “prorrogação automática”, a exemplo da SABESB e BEC, pois o tempo de disputa não dispõe de fechamento aleatório. A BEC/SP estabelece que a cada lance ofertado, o concorrente terá 3 minutos para ofertar novo preço, e assim por diante até que o tempo (3 min.) decorra sem novo lance.

Nesse contexto, exceto os sistemas de compras eletrônicas da SABESP e BEC/SP, pode-se considerar que a utilização dos robôs compromete a igualdade, frustrando o caráter competitivo da licitação: é impossível competir em igualdade com os robôs na oferta dos lances.

Nesse contexto, não com menor gravidade, a utilização dos robôs pode configurar afronta à Lei de Licitações, com incidência de tipo penal (crime) descrito no art. 90 da Lei de Licitações:
“Art. 90 – Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação:”

Dos argumentos favoráveis e da possível mudança de posicionamento para o futuro.

Como se pode constatar, a principal argumentação contida nas decisões do TCU refere-se à violação ao princípio da isonomia. Muito embora seja possível deduzir, desse contexto, o comprometimento da moralidade (utilização de um artifício que burla a competitividade), o ponto de partida da ilegalidade do uso do robô parece residir centralmente na isonomia (igualdade).

Sob essa premissa, parece lógico o seguinte raciocínio: se todos tiverem acesso a softwares legalizados, não haverá mais comprometimento da isonomia, de modo que a fundamentação das decisões atuais restará comprometida.

De fato, em texto publicado na mídia (de autoria de Ariosto Mila Peixoto, um dos subscritores deste parecer), externou-se o seguinte pensamento:

A criação do pregão eletrônico: a primeira polêmica
No final de 2000 quando o Governo Federal editou o Decreto nº 3697/00, iniciava-se a era do pregão eletrônico. A medida provisória de então, a MP nº 2026, previa que o pregão poderia ser realizado com o uso da tecnologia da informação.
Indiscutível que a medida causou grande impacto, uma vez que, pela primeira vez, despontava-se a INTERNET como ferramenta que poderia auxiliar a Administração Pública nas compras governamentais.
A primeira discussão que houve naquela época e sei disso, pois participei de acalorados debates, era, pasmem, a quebra ao princípio da isonomia, uma vez que as empresas que não possuíssem computador ou internet seriam alijadas das licitações eletrônicas. Pois bem, por incrível que pareça, naquela época a tecnologia da informação para realização de negócios públicos ainda era um mistério acerca do resultado positivo ou negativo; e mais, a informática (hardware, software e internet) era uma ferramenta que nem todas as empresas tinham acesso. E querem saber? O Governo não se importou com a polêmica e deu apoio incondicional ao pregão eletrônico, obrigando a todos que quisessem com ele contratar, a investir em um software, hardware e link com a internet.
O avanço da tecnologia da informação.
Pois bem, passados 12 anos dessa época, parece até loucura cogitar-se de alguma empresa não ter acesso à internet; algumas delas, inclusive, especializaram-se em negócios via web.
A conclusão dessa narrativa é a de que todos nós somos reféns da tecnologia da informação e estamos cada vez mais dependentes dela. Todos caminham nesse sentido.
A constatação acima vem da resposta à seguinte questão: alguém se imagina exercer, direta ou indiretamente, sua profissão sem o auxílio de um computador?
E de um smart phone? E da internet?
As redes sociais têm papel extraordinário nos negócios; a mobilidade; a “nuvem”; a inovação tecnológica; os novos PCs (telas de toque ultrassensíveis, desempenho muito mais avançado, economia de energia, conexões USB 3.0); em 2016, o Brasil deverá quebrar a barreira dos 300 milhões de celulares; o número de internautas brasileiros poderá superar os 150 milhões; estamos às vésperas da telefonia 4G; livros eletrônicos; etc. (fonte: Ethevaldo Siqueira, www.ethevaldo.com.br)
Portanto, o uso da tecnologia é inevitável.
A segunda polêmica nos pregões eletrônicos: robô
Diante dessa realidade deparo-me com a polêmica do “robô” ou, tecnicamente denominado: dispositivo de inserção automática para o envio de lances durante o pregão eletrônico.
E a polêmica, acredito, repousa na resistência (ou no preconceito) de aceitar o avanço da tecnologia como instrumento de melhora no desempenho, aliás, resistência esta inicialmente demonstrada em relação ao “pregão eletrônico” quando o mesmo foi criado em 2000.
O pregão eletrônico tem dois tipos mais comuns de encerramento da disputa: o randômico (encerramento – aleatório – que pode ocorrer a qualquer momento no intervalo entre 1 segundo e 30 minutos) e a prorrogação automática (a cada lance, o sistema prorroga a oportunidade de novo lance por mais 3 minutos).
E qual a função do robô?
O robô tem a finalidade de detectar o lance de uma empresa e emitir um “lance resposta” em uma fração de segundo. Enquanto um operador leva 4 a 8 segundos para digitar um lance manualmente (a depender do número de dígitos), o robô demora uma fração de segundo para devolver um lance com um valor menor.
Nesse contexto, quando o encerramento da etapa de disputa se dá pelo método randômico, a empresa que utiliza o robô tem uma vantagem significativamente maior de alcançar a vitória. Esclareça-se que o tempo randômico é utilizado nas duas maiores plataformas de compras eletrônicas do País – Comprasnet e Banco do Brasil.
No caso das plataformas que utilizam como forma de encerramento a “prorrogação automática” (é o caso da BEC de São Paulo) o robô não traz qualquer vantagem, uma vez que o encerramento só se dará no prazo de 3 minutos após o último lance, tempo suficiente para digitar manualmente um outro valor.
Mas a pergunta que se coloca é: a utilização do robô é lícita ou ilícita?
Entendo que, se o software (robô) não é oficial ou legal, ou seja, é comercializado à margem da lei, o robô é ferramenta eletrônica ilegal.
Contudo, a partir do momento que este software tornar-se comercializado de forma oficial e dentro da lei, sendo disponibilizado a qualquer interessado, será sim, lícito e até recomendável.

A verdade é que o robô é um software que confere maior agilidade na disputa.
Quando este software estiver disponível no mercado, dificilmente uma disputa eletrônica de lances levará mais do que 10 segundos, pois a disputa feita por robôs tem a velocidade de um processador, portanto, muito maior que a digitação manual de lances.
O robô como ferramenta de evolução e aperfeiçoamento do desempenho E por que o robô é recomendável no pregão? O encerramento do tipo randômico, por ser aleatório, pode ser encerrado a qualquer instante. Há casos de encerramento da disputa com poucos segundos, hipótese esta em que o tempo exíguo da disputa obviamente prejudicou a obtenção da proposta mais vantajosa; e é justificável, pois aos licitantes que operam manualmente, não é possível ofertar quantidade significativa de lances. Contudo, se houvesse a atuação dos robôs, a competição teria sido, no mínimo, muito maior do que ocorreu no envio de lances de forma manual.
Aliás, acredito, os lances manualmente inseridos no sistema estão com seus dias contados. É evidente que a tecnologia e anseio dos usuários da internet por softwares mais modernos e de melhor desempenho e que automatizam atividades manuais, farão com que o robô seja uma ferramenta do sistema.
O mercado de ações já trabalha há algum tempo com moderníssimos robôs que rastreiam oportunidades de compra, executam a compra e venda de ações e muito mais.
E como funcionaria o robô no pregão eletrônico? O operador informaria o lance de partida (geralmente o valor da proposta inicial) e o valor de chegada (valor mínimo possível), podendo-se “recalibrar” o software (para diminuir o valor de chegada) enquanto não encerrar o tempo randômico. Esta opção tornaria a disputa mais acirrada, célere e com maior probabilidade de obtenção da proposta mais vantajosa.
Assim sendo, entendo que a utilização do robô, ao contrário de prejudicar, melhorará a forma de disputa, agilizará o término da competição e, sem dúvida, trará ganhos e economicidade à Administração Pública. É possível até que as próprias plataformas disponibilizem os softwares de inserção automática de laces (robô), a permitir que o operador (licitante) escolha a forma de sua participação: automática (robô) ou manual.
Conclusão, não há como, neste caso, caminhar na contramão do avanço tecnológico. Entendo que a oficialização do robô trará mais eficácia às licitações e igualará a forma de participação entre todos os licitantes.” (ARIOSTO MILA PEIXOTO) fonte: www.portaldelicitacao.com.br

Buscam-se novas alternativas (especialmente no âmbito da SLTI – Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação, do Governo Federal), a exemplo do Voto contido no Acórdão TCU nº 253/12 – Plenário, contudo ainda embrionárias ou ineficazes .

Outra possível solução que coíba a prática do robô: tramita na Câmara dos Deputados, Projeto de Lei nº 1.592/11, de autoria do Dep. Fed. Geraldo Resende, que estabelece a proibição ao uso de robôs, softwares e programas de lances nos pregões eletrônicos, a impor sanção administrativa de 2 anos àqueles que descumprirem a regra. O projeto ainda não foi aprovado.

Portanto, como exposto inicialmente, o posicionamento atualmente dominante, como consubstanciado nas decisões do Tribunal de Contas da União, considera ilegal a utilização do robô, por violação ao princípio da isonomia. Mesmo assim, é possível sustentar que, em curto ou médio prazo, quando o sistema (robô) tornar-se acessível a todos (atualmente ele não está disponível, como software oficial), a igualdade se restabelecerá.

 

9) A criação e participação da Microempresa ou Empresa de Pequeno Porte como intenção exclusiva de fraudar a competição

A constituição de microempresas e empresas de pequeno porte somente para auferir os benefícios concedidos nas licitações não é, isoladamente, fato que possa configurar uma prática desleal.

Contudo, se a constituição de microempresas ou empresas de pequeno porte (MPEs) se dá, única e exclusivamente para desfrutar dos privilégios concedidos pela Lei Complementar 123/06 e em função deste privilégio, promover o superfaturamento, ou dominação de mercado, ou combinação de resultados com outras empresas etc., a prática será enquadrada, também, como ilícito concorrencial. As medidas repressivas referentes a tais condutas são de competência da própria Administração, dos Tribunais de Contas e do Poder Judiciário.

No caso de combinação entre MPEs e outras empresas não beneficiárias da Lei 123/06, para orquestrar sua participação e, com isso, prejudicar a competitividade, também será considerada fraude a licitação e ilícito concorrencial.

Na mesma esteira da fraude, também pode ser apontada a participação da Empresa de Pequeno Porte que, já tendo auferido faturamento bruto superior ao limite legal e, portanto, obrigando-a ao desenquadramento, mantém-se naquela condição apenas para beneficiar-se das prerrogativas concedidas às MPEs nas licitações.

 

 

Publicado em 30 de janeiro de 2017

(Colaborou Dr. Ariosto Mila Peixoto, advogado especializado em licitações e contratos administrativos, no escritório AMP Advogados).

*Alguns esclarecimentos foram prestados durante a vigência de determinada legislação e podem tornar-se defasados, em virtude de nova legislação que venha a modificar a anterior, utilizada como fundamento da consulta

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