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Vínculo de parentesco em processos licitatórios

Município de 3 mil habitantes, entra questão de parentes direto e indiretamente, como fazer para licitar, todo mundo e parente?

Consulta: Possível quebra ao princípio da moralidade em razão de verificação de empresa participante de processo licitatório com vínculo de parentesco, de afinidade ou comercial com gestor público que tenha poder de decisão ou de influenciar decisão de Comissão de Licitação ou Pregoeiro.

‘’Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos” (Celso Antônio Bandeira de Melo).

Dizia o célebre escritor Ernest Hemingway: “Eu sei o que é moral apenas quando você se sente bem após fazê-lo e o que é imoral quando se sente mal após fazê-lo”. Ou ainda segundo Auguste Comte para quem “A moral consiste em fazer prevalecer os instintos simpáticos sobre os impulsos egoístas”.

A partir de grandes pensadores como os citados surge a inegável síntese de que a Moral é uma espécie de freio da conduta das pessoas por invocar ponderações ante à tomada de decisões.

Partindo dessa premissa, a Moral e o Direito mantêm entre si uma ligação vital, aliás, a gênese do Direito deita raízes no campo fértil da Moral. Como prova, a Constituição Federal, no artigo 37 lhe deu status normativo:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (…) g.n.

O zelo pela preservação do princípio da moralidade é também previsto expressamente no artigo 3º da Lei 8.666/93, a conhecida Lei de Licitações, seara em que a luta pela sua correta aplicação é incansável.

Como se não bastasse, o artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa (Lei Federal nº 8.429/92) classifica como ato ímprobro aquele que “atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições”.

Todo esse feixe normativo que remete à moralidade administrativa tem a finalidade de impor aos administradores públicos condutas pautadas pelo regramento ético e sensato.

O agente político, em virtude da sua função, é detentor de informações privilegiadas que antecedem suas ações com a iniciativa privada, razão pela qual, em nome do princípio da moralidade e de todos os demais que lhes são correlatos, não deveria ter relações diretas ou indiretas com quem pretende firmar contratos no âmbito da administração em que aquele atua.

O agente político ou o gestor nomeado a exercer um cargo público, com poderes de decisão ou com possibilidade de influenciar julgamento de processo licitatório, quer seja pela sua posição hierarquicamente superior, quer pela sua autoridade investida, não deveria permitir a participação de empresas que possuam sócios, diretores, administradores, procuradores ou “sócios ocultos”, que, com eles, tenha relação comercial, consanguínea ou de afinidade, suficiente a retirar do julgamento a necessária e imprescindível isenção e imparcialidade.

A presunção da legitimidade do ato administrativo reveste-se da clara imparcialidade, honestidade e lealdade. A partir do momento que a Administração Pública celebra contrato com empresa que mantém relação (de parentesco, de afinidade ou comercial) com o administrador responsável pela contratação ou pelo gestor cuja atuação tenha sido determinante para a contratação, a mesma estará sempre maculada do símbolo indelével da ilegalidade. A propósito, ainda que a contratação tenha sido regular, sempre subsistirá a dúvida e a desconfiança acerca da legitimidade do ato. Obviamente, se constatado o vício na licitação ou contratação, os órgãos de controle interno, externo ou a sociedade, poderão, a qualquer tempo, requerer a apuração e responsabilidade pelo evento, em razão da imprescritibilidade das condutas que resultem em lesão ao erário.

A presunção de que a garantia do sigilo das informações foi quebrada em benefício do licitante que mantém com quem tem poder de mando e decisão, relações de parentesco, comercial ou de afinidade, é quase que absoluta.

Como bem ensina Marçal Justen Filho, um dos maiores administrativistas da atualidade,

“Em hipótese alguma, porém, a conduta adotada pela Administração ou pelo particular poderá ofender os valores fundamentais consagrados pelo sistema jurídico. Sob esse enfoque é que se interpretam os princípios da moralidade e da probidade. A ausência de disciplina legal não autoriza o administrador ou o particular a uma conduta ofensiva à ética e à moral. Moralidade soma-se a legalidade. Assim, uma conduta compatível com a lei, mas imoral será inválida”

Concluindo, a partir da Constituição Federal de 1988 a moralidade administrativa passou a ser pressuposto de validade de todo o ato administrativo. Isso leva ao raciocínio de que ao administrador não é facultado o simples atendimento ao princípio da legalidade, já que nem tudo que é legal é moral, mas antes de tudo, deve se atentar à ética e a moral capaz de garantir a si mesmo e aos demais o conforto que vem da paz de espírito por ter feito, naquele caso, o melhor para o bem comum.

Publicado em 08 de Abril de 2019

(Colaborou Dr. Ariosto Mila Peixoto, advogado especializado em licitações e contratos administrativos, no escritório AMP Advogados).

*Alguns esclarecimentos foram prestados durante a vigência de determinada legislação e podem tornar-se defasados, em virtude de nova legislação que venha a modificar a anterior, utilizada como fundamento da consulta

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